Além!

Porque o silêncio é às vezes o caminho mais dificil, é preciso encontrar avenidas de tambores a rufar entre tantas mordaças, para construir a sempre inacabada e desejada felicidade, de viver sempre a juventude presente. Tempo de desejo é sempre tempo de Futuro.

4 de novembro de 2018

Carta de Olga Benário Prestes

Carta de Olga Benário Prestes, a seu marido e filha, na véspera de ser assassinada pelos nazis. Recorde-se que foi o fascista Getúlio Vargas, com a anuência do Supremo tribunal Federal, quem a entregou a Hitler.

Queridos:

Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida.

E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te nos meus braços ansiosos.

Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças – ah, não, elas foram cortadas. Mas fica-te melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Tua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem.

Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu já fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica. Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar o teu corpinho cálido é para mim como a morte.
Carlos, querido, amado meu: terei de renunciar para sempre a tudo de bom que me deste? Conformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que os teus olhos mais uma vez me olhassem.
E queria ver o teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado a ambos. Mas o que gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível.
É precisamente por isso que me esforço para me despedir de vocês agora, para não ter de o fazer nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta.
De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo.
Prometo-te agora, ao despedir-me, que até ao último instante não terão de que se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegar.
Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas… Até ao último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijo-os pela última vez.
Olga

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