Li há dias atrás este grito de um pai, e até agora hesitei em contribuir para a sua divulgação. Tenho a certeza que ambos - pai e filho - me perdoarão o atrevimento, mas é necessário que este grito chegue a cada canto da consciência de cada cidadão, de cada trabalhador, para que mais cedo do que tarde, seja desmontada esta engrenagem que suga cada gota do nosso sangue. Um abraço solidário, por uma Sociedade mais justa.
HG
O meu Bruno escolheu a vida de operário. Operário todo construido, daqueles que minuto a minuto enfrentam a medonha boca do forno electrico da Siderurgia e tratam respeitosamente por tu o aço que a cerca de 1000 graus centigrados é filho da sucata que o forno engole.
È lindo o meu filho, os olhos azuis da avó, os ombros largos do pai, atleta esbelto cinturão negro de karate.
È muito bom o meu Bruno Daniel, respeitador, educado, cumpridor, responsável.
È um homem que enche de orgulho a familia e de amor a namorada de há muitos anos e com quem ia casar já no próximo sábado.
Estavam imensamente felizes, não se cansavam de mostrar as fotos que o amigo lhes tirara no cabo espichel para o album de casamento. Um verdadeiro top model dizia ela do seu”borracho”.
Jantei com ele a ultima vez há dois dias no aniversário da irmã que protege como um lobo. Adoram-se eles, e como a pequena sentiu o sofrimento do irmão.
A festa acabou ás 21h que ele tinha que regressar às 22 horas para aquele inferno de aço e fogo e cumprir mais 10 horas dum horário que não respeita famílias, saúde, condições climatéricas, não respeita nada a não ser a vontade dos gestores em poupar na factura da electricidade à custa do esforço e do corpo de jovens como o meu Bruno.
Gestores espanhóis e acólitos portugueses que não hesitam em obrigar os trabalhadores portugueses ao gozo de férias em Fevereiro, a trabalhar sem necessidade nos nossos dias feriados mais queridos, em exigir que por interesse exclusivo da empresa se gozem dias de férias do ano que vem e em perseguir os poucos que se atrevem a opor-se a estas atitudes desumanas.
Gestores espanhóis e acólitos portugueses que contam com a necessidade, com o medo, e com ignorância de jovens portugueses para lhes arrancar assinaturas que legitimam a aplicação destas e doutras medidas que inevitávelmente se refletirão na saude de todos eles.
Gestores espanhóis que contam com acólitos portugueses na aplicação destas barbaridades e com a complacencia de governantes e suas intituições encarregues de zelar pela aplicação da lei.
É lindo o meu Bruno, quero acreditar que assim continuará após o acidente de trabalho que sofreu ontem pelas 23,30 h , ainda dentro daquelas horas de sacrificio extra a que os tais gestores obrigam para alimentar a ganancia do lucro.
Nem o pude ver no Hospital tal o estado em que 30% de queimaduras lhe deixaram o peito, abdomem e ancas.
Continuará sempre lindo, ao menos para nós, mas por agora a felicidade imensa que irradiava abandonou de repente os seus mravilhosos olhos azuis e mergulhou-nos numa tristeza que desconheciamos e numa revolta tremenda.
Dizem-nos do hospital que psicológicamente está de rastos. Como sofremos por ele e com ele.
Havemos de levantá-lo, temos essa esperança, tal como temos a esperança que aqueles jovens que ali trabalham naquelas condições dificilimas se levantem um dia e se tornem homens de corpo inteiro e se unam para lutar pela vida social, familiar e laboral que merecem e ganancia desmesurada de uns poucos lhes rouba sem qualquer pudor.
Havemos de arrancá-lo, leve o tempo que levar, aquela armadura de ligaduras que agora lhe cobrem o corpo e ás cicatrizes que teimarão em alterar-lhe as formas do seu corpo até ontem bem moldado.
Tanto que, percebendo a sua apetencia para as questões da higiene e segurança, o aconselhámos a fazer o curso de tecnico dessa área...
-Como posso estudar com estes horários pai? Não dá.
Respondia-me invariávelmente assim alimentando-me a revolta perante a impotencia de lhe poder alternativas neste país tão madrasto.
O destino é irónico e cruel, escolhe os melhores para maltratar quando tantos outros mereciam pior sorte.
Que o sacrificio e o sofrimento que o Bruno atravessa sirva ao menos para que outros exijam e conseguiam ser tratados na sua terra como seres humanos, por que o são, é agora, a par da exigencia de um tratamento que devolva ao meu filho tudo aquilo que até ontem tinha,um objectivo de vida deste pai profundamente ferido.
Um grito de alma de um pai profundamente ferido, que nos trespassa de lado a lado. Toda a nossa solidariedade com o Bruno e com a luta dos metalúrgicos contra estas desumanas condições de trabalho e exploração, luta que havemos de vencer!
ResponderEliminarUm abraço fraterno e grato, por teres publicado tão relevante testemunho humano e de classe.
Que ser humano , sendo pai, pode ignorar este desabafo sofrido? Haja alguem que possa levar este apelo a quem de direito. Haja alguem que ouça, leia e empurre as engrenagens deste sistema tão lento, que deixa os seus filhos em perigo permanente.
ResponderEliminarEstamos contigo pai do Bruno, divulgaremos a tua história tão triste, tentando que não mais aconteça. Que o Bruno volte a sorrir e seja feliz !
Cheguei a ler esse texto. É comovente e a realidade crua da vida operária é quase palpável.
ResponderEliminarUm Abraço.