Além!

Porque o silêncio é às vezes o caminho mais dificil, é preciso encontrar avenidas de tambores a rufar entre tantas mordaças, para construir a sempre inacabada e desejada felicidade, de viver sempre a juventude presente. Tempo de desejo é sempre tempo de Futuro.

5 de março de 2010

A miséria moral de ex-esquerdistas*

"Alguma semelhança com portugueses* é pura coincidência"
Alguns sentem satisfação quando alguém que foi de esquerda salta o muro, muda de campo e se torna de direita – como se dissessem: “Eu sabia, você nunca me enganou”, etc., etc. Outros sentem tristeza, pelo triste espetáculo de quem joga fora, com os valores, sua própria dignidade – em troca de um emprego, de um reconhecimento, de um espaçozinho na televisão.

O certo é que nos acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista* ataca com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida -, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele “veneno” que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que ele foi, com um empenho de quem “conheceu o monstro por dentro”, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não discute as idéias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos incautos sobre a dependência que geram a “dialética”, a “luta de classes”, a promessa de uma “sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado”. Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do “socialismo”, do “totalitarismo”, do “stalinismo”.

Viraram pobres diabos, que vagam pelos espaços que os
Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o “totalitarismo”, em cada política social a “mão corruptora do Estado”, do “chavismo”, do “populismo”.

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a “democracia” contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que o “perigo comunista” – sem o qual não seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha casa, minha vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – “uma vez terrorista, sempre terrorista”.

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe ativamente do seu enterro.

Postado por Emir Sader aqui

2 comentários:

  1. Portugal está cheio de exemplos desses.
    Esquerdistas estão hoje nos mais altos cargos do país e da União Europeia.
    Os que ainda por cá andam não passam de cucos,(a pôr os ovos nos ninhos que outros fazem).
    Crescem eleitoralmente com os votos dos descontentes com a politica de direita, implementada quer pelo PS quer pelo PSD.
    São levados ao colo pelos órgãos da comunicação social, controlados pelo grande capital,porque sabem que essa gente não põe em causa o sistema.

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  2. A propósito dos "cucos", faço minhas as palavras de Francisco Mota, no último "Avante":

    "...Hoje em que à minha cabeça chegam as imagens d'àquele Abril, já tão longe mas tão presente, penso que para muita gente a felicidade era aquilo.
    A esperança, a fé, a força, o trabalho e a certeza, cansavam o corpo mas faziam caminhar a alma. Ea fraternidade? Que lindo, Hoje quando vejo os pinas, os linos, os freitas, os mendes, os netos, os alves, os magalhães e mais toda a colecção de traidores, oportunistas, gente sem vergonha em verdade, que se vendem a quem seja para melhorara conta do banco, comprar "a casa no Algarve, ir de férias à Austrália ou ao Botswana, esquiar em St. Moriti ou nos Andes, sinto que o Homem tem muito lixo mistura do, que a honestidade tem preço, para alguns bastante baixo, que a «democracia» é comandada por esta gentalha. Hoje vejo a catadupa de escândalos, corrupções, negociaras, e tenho a certeza de que ninguém será
    condenado e que se saem estes outros iguais estão preparados para encher os bolsos com a crise dos que trabalham.
    Hoje, cansado, com dores nas costas, uma pontada no peito e alguma cãimbra solta, vejo que o que escrevia Brecht tem cada dia mais razão «os que lutam toda a vida, esses são os indispensáveis». Tem razão porque é assim e porque é necessário mandar para casa, julgar, tirar o poder à pandilhade inúteis, para ser suave, que nos desgovernam..."

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