Além!

Porque o silêncio é às vezes o caminho mais dificil, é preciso encontrar avenidas de tambores a rufar entre tantas mordaças, para construir a sempre inacabada e desejada felicidade, de viver sempre a juventude presente. Tempo de desejo é sempre tempo de Futuro.

8 de fevereiro de 2010

Não há bons nem maus orçamentos

O Orçamento de Estado (OE) é um instrumento de uma política. Discuti-lo não é avaliar um documento técnico. Trata-se, sim, de ver a quem serve, tal como foi apresentado. Pelo que um orçamento não é bom ou mau. Serve ou não serve, e quem serve.

Assim pode-se afirmar que o OE para 2010 é bom para umas dezenas ou centenas de portugueses. Mas é mau para uns milhões. A dinâmica que lhe está subjacente tem comprometido o crescimento e o desenvolvimento económicos. Aprofunda as injustiças sociais com a penalização dos salários e das reformas. A resposta ao dramático problema do desemprego (mais de 700 mil trabalhadores) é uma miragem. Prossegue uma política monetarista. Insiste em mais privatizações (ANA, REN, TAP). Teima em cortes no investimento (o investimento proposto para 2010 é apenas de cerca de 40 por cento do que foi inscrito no OE para 2005). Obstina-se na mesma orientação de injustiça fiscal.

A verdadeira questão é a quem (a que classe) serve determinada política. E este é um Orçamento que não serve aos trabalhadores, aos desempregados, aos pensionistas empurrados para a pobreza, a quem tem um pequeno negócio ou à juventude. Mas assenta que nem uma luva aos interesses dos grandes grupos económicos, aos seus lucros e privilégios que se mantêm intocáveis. É a demonstração inequívoca de que não existe o chamado «interesse nacional». Por muito que esta falácia seja mil vezes repetida a ponto de se ter tornado quase um lugar comum.

Que «interesse nacional» é esse que anuncia uma amnistia fiscal para quem procurou a evasão para paraísos fiscais, ao mesmo tempo que promove o aumento efectivo da carga fiscal sobre parte dos trabalhadores por conta de outrem que tenham aumentos salariais superiores a 0,8 por cento?

Que «interesse nacional» é esse que mantém a não tributação generalizada das mais-valias ou a concessão de benefícios fiscais ilegítimos e a baixíssima tributação efectiva do sector financeiro e dos seus muitos milhões de euros de lucros?

A quem serve a actual política de saúde? Aos utentes tratados como simples consumidores? Ou aos interesses de quem trata (d)a saúde como um mercado de quem se diz ser o «negócio do futuro» (muitas dezenas de milhares de milhões de euros)?

A quem serve a política de educação? Aos professores neste últimos anos tomados como alvo para lhes acabar com os «privilégios» (ler direitos)? Ou a quem pretende abocanhar as escolas públicas, naco apetitoso para aumentar os lucros de quem entende a educação como mais um negócio?

A quem serve a política de destruição dos serviços públicos? À população em geral? Ou a quem integra esse mesmos serviços no circuito acumulador de capital?

E alguém no governo pode esclarecer como deslizou o défice para os valores apresentados neste OE? Como é possível que o défice tenha assumido as proporções que hoje tem? E, já agora, quem beneficiou com ele?

É possível reduzir o défice e melhorar a redistribuição da riqueza. É possível cortar nas despesas supérfluas e aumentar as prestações sociais. É possível aumentar a receita sem sobrecarregar os rendimentos mais baixos. O que pressupõe uma ruptura com a política ao serviço da direita dos interesses e dos interesses da direita.

Nota solta: entre tantos e tão sapientes assessores com formação jurídica não houve um que explicasse ao Presidente da República que TODAS, mas mesmo TODAS, as leis são SEMPRE ditadas «por puros motivos de índole política ou ideológica». E é assim pelo menos desde o Código de Hamurabi (1700 AC)…

Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação

In jornal "Público" - Edição de 5 de Fevereiro de 2010

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