Numa altura em que os média dão preferencialmente voz aos «especialistas» que defendem aumentos reduzidos dos salários ou mesmo a sua manutenção (leia-se, congelamento) em 2010, a ERSE – a entidade oficial que tem como função controlar os preços no chamado mercado regulado de electricidade (porque no mercado livre os preços já são livres e fixados de acordo apenas com os interesses das empresas) – acaba de anunciar que o preço da electricidade para as famílias deverá aumentar mais 2,9% em 2010.
O aumento anunciado é mais de três vezes superior à previsão de subida de preços em Portugal em 2010 feita pela OCDE (+0,8%) e pelo FMI (+1%), e o dobro da previsão do Banco de Portugal (+1,5%). E é certamente também superior ao aumento salarial que se verificará em 2010. Um aumento tão elevado do preço da electricidade é inaceitável não só pelas razões anteriores mas também pelas que se apresentam seguidamente.
O Quadro I, construído com dados divulgados pelo Eurostat, que é o serviço oficial de
estatísticas da União Europeia, mostra o preço actual da electricidade em Portugal em 2009 e o preço do mesmo bem, para as famílias, nos países da União Europeia.
Em 2009, segundo o Eurostat, o preço médio da electricidade na União Europeia (inclui os 27 países) era inferior ao preço médio em Portugal em -2,2%, embora o poder de compra médio na União Europa (inclui também os 27 países), medido pelo PIB por habitante SPA, portanto anulando os efeitos das diferenças de preços entre os diferentes países, fosse superior ao poder de compra médio em Portugal em mais de 31,6%. E dizemos mais de 31,6% porque esta era a diferença em 2008, e em 2009 a situação deverá ter piorado para Portugal. Dito de outra forma, o poder de compra médio actual em Portugal deverá corresponder a menos de 76% do poder de compra médio da União Europeia, mas o preço da electricidade no nosso País é superior ao preço médio da electricidade na UE27 em +2,3%.
Por outro lado, nos países com preços de electricidade superiores ao de Portugal, essa diferença de preços é mais do que compensada com a diferença para mais que se verifica no poder de compra desses países relativamente a Portugal. Assim, na Alemanha o preço da electricidade é superior em +10,8% ao preço em Portugal, mas o poder de compra médio na Alemanha é superior ao português em +2,6%; no Luxemburgo a electricidade custa mais +8,1% do que em Portugal, mas o poder de compra médio no Luxemburgo é superior ao de Portugal em +263,2%. Na Finlândia, Dinamarca e Noruega, o preço da electricidade é mais baixo do que em Portugal (entre -10,5% e - 22,9%) , mas o poder de compra médio das famílias nesses países é muito superior ao das famílias portuguesas (entre +53,9% e +151,3%).
Nos países com menor poder de compra médio, tal facto é mais do que compensado pelo preço
da electricidade ser muito mais baixo do que em Portugal. Por exemplo, na Estónia o poder de compra médio é inferior em -11,8% em relação a Portugal, mas o preço de electricidade para as família é inferior em -43,7%; na Polónia, o poder de compra médio é inferior ao português em -26,3%, mas o preço da electricidade para as famílias é inferior ao de Portugal em -30,1%.
Portanto, é neste contexto que uma entidade que se diz reguladora (a ERSE), cujo presidente foi nomeado pelo 1.º Governo de Sócrates, propõe um aumento do preço da electricidade de +2,9% em 2010 a ser pago pelas famílias, quando idêntica subida percentual dos salários em 2010 não está garantida aos trabalhadores, que constituem o conjunto mais numeroso dos clientes da EDP. E isto também quando o preço da electricidade em Portugal é já superior ao preço médio da União Europeia (27 países), e quando a EDP, que domina o mercado da electricidade em Portugal, arrecadou, só nos primeiros nove meses de 2009, varias centenas de milhões de euros de lucros.
Mais de 800 milhões de euros de lucros líquidos
A EDP já apresentou o seu Relatório e Contas de 2009 referente ao 3.º Trimestre deste ano. E como consta desse relatório os lucros líquidos, ou seja, os lucros depois de deduzidos os impostos, já atingiram 835,2 milhões de euros só nos primeiros 9 meses de 2009.
Mas para que se possa ficar com uma ideia clara de como evoluíram os lucros da EDP após a entrada em funções do Governo de Sócrates, reunimos no Quadro II os valores dos lucros líquidos constantes dos Relatórios e Contas de 2004-2009 desta empresa que, apesar de dominar o mercado de electricidade em Portugal, foi privatizada.
Em 2005, o primeiro ano em que Sócrates foi 1.º ministro, os lucros líquidos da EDP foram superiores em +143,3% aos de 2004; em 2006 em +113,7%; em 2007 em +131,7% ; em 2008 em mais 148%; e, em 2009, só nos primeiros 9 meses, os lucros da EDP foram superiores aos de 2004 em +89,7%.
Se somarmos os lucros líquidos da EDP nos últimos 5 anos e 9 meses, eles totalizam 5399,1 milhões de euros a preços correntes (a preços actuais são muito superiores), o que mostra, por um lado, que o Estado perdeu uma fonte importante de receitas com a privatização da EDP; por outro lado, que a EDP privatizada se transformou num instrumento importante de exploração dos consumidores e de acumulação dos lucros para os seus actuais proprietários; e, finalmente, que a EDP pode absorver, sem grandes dificuldades, o chamado défice tarifário que está a ser utilizado para «justificar» o elevado aumento de preço que se pretende impor às famílias. E isto sem aumentar os preços e sem deixar de ter lucros, embora os lucros fossem naturalmente menores, o que seria até uma medida moralizadora face às dificuldades crescentes das famílias.