Almoçava hoje num desses sítios habituais quando se abeiraram de mim dois homens de pele tisnada e mãos grossas e calejadas de tanto trabalho pedindo permissão para se sentarem.
Metemos conversa que começou pelo facto do restaurante antes incluir a salada no prato e agora ter de pagar-se à parte – é tudo a roubar, disse um deles – daí passamos para a política geral do país. Desemprego, derrapagens nas obras públicas, escândalos financeiros, falências, ordenados de miséria, etc. etc.
Então o outro, até aí muito calado, deu a sua opinião – sabe, temos o que escolhemos, votámos neles e agora vamos ter de os gramar, o Povo fica contente desde que não venha o comunismo -
Não pude deixar de comentar – após o 25 de Abril houve uma terrível campanha contra os comunistas que até hoje não parou – que os comunistas roubavam as casas, tiravam as terras, desagregavam as famílias retirando os filhos aos pais e os pais aos filhos para os colocarem em internatos e asilos.
Que eu saiba nada disso aconteceu e, as terras que foram ocupadas eram grandes herdades, no Alentejo e muitas abandonadas, que os trabalhadores puseram a produzir.
E hoje qual é situação?
Os agricultores são obrigados a deixar as terras ao abandono e as grandes herdades voltaram a servir como coutadas de caça. Os governantes preferem importar o que cá pode ser produzido.
As empresas instalam-se cá para receberem subsídios e quando lhes cheira a benesses noutros países encerram e deixam milhares no desemprego.
Os trabalhadores que ainda têm emprego, são obrigados a estar cada vez mais horas ao serviço dos patrões deixando filhos e pais entregues a creches e lares para idosos.
Os que mandam neste país são praticamente os mesmos que o controlavam antigamente.
Acabamos o almoço, cada um foi á sua vida sem mais comentários.
Parece que o comunismo está a voltar a incomodar muita gente. Talvez porque pressintam, sem o querer reconhecer, que não há forma de dar a volta isto sem uma política diferente e um corte radical com o passado.
O único que defende essa viragem é o Partido Comunista Português.
Li, entretanto, num blogue, um artigo de um jovem, nascido pós 25 de Abril, a opinar sobre Marx e de como deveria estar às voltas no túmulo pelo facto do comunismo ter falhado e de que os que o continuam a defender são idealistas a lutar por um sonho irrealizável...
Também no mesmo artigo faz a apologia do capitalismo como um sistema perfeito para ser vivido. Para desfrutar…
Que os ”patrões têm as ideias e/ ou a coragem e capacidade para as concretizar ” em comparação com os empregados que simplesmente servem de "pilhas”.
Primeiro; as “pilhas” são recarregáveis, podem esgotar-se de tanto energia que libertam para alimentar os frigoríficos abastados dos senhores, mas encontram energias alternativas para voltarem a carregar e alimentarem a sua coragem e determinação para, com a sua inteligência, porem a produção ao serviço de toda a sociedade.
Com a destruição dos países de leste, o que assistimos hoje é ao retrocesso de grandes conquistas que, alcançadas pela luta de milhões e milhões de “pilhas”, beneficiaram os trabalhadores de todo o mundo.
O desemprego, a miséria, a fome, as guerras contra povos indefesos para lhes roubarem as matérias-primas para continuarem a alimentar a riqueza de muito poucos, são hoje realidades que não podem ser ignoradas.
Este jovem deveria saber que se tem hoje liberdade e a vida mais ou menos facilitada, muitos comunistas morreram, passaram anos na prisão apenas porque lutaram por um próspero, democrático país, liberto das garras dos fascistas.
