Além!

Porque o silêncio é às vezes o caminho mais dificil, é preciso encontrar avenidas de tambores a rufar entre tantas mordaças, para construir a sempre inacabada e desejada felicidade, de viver sempre a juventude presente. Tempo de desejo é sempre tempo de Futuro.

29 de janeiro de 2010

ALEGRE, A CANDIDATURA DE UM AVENTUREIRO POLÍTICO

Embora só tenham lugar dentro de um ano, já se antevê que as próximas eleições presidenciais em Portugal darão lugar a mais uma gigantesca operação de mistificação.
Neste artigo, José Paulo Gascão desmonta a campanha em preparação de apresentar o candidato a candidato Manuel Alegre como o político de mãos limpas, de “causas”, e uma encarnação da consciência social e democrática do povo português e dos seus anseios de mudança.
José Paulo Gascão - 29.01.10

Ainda antes da sua recusa a candidato à Assembleia da República, já era claro que Alegre procurava lançar pontes para o apoio do PS à sua candidatura à Presidência da República (PR) em 2011.
Os primeiros jantares de Alegre «com amigos», preparavam o terreno para a inevitabilidade do apoio. Ao mesmo tempo, e numa surpreendente manifestação de disciplina partidária inexistente nas eleições que opuseram Soares Carneiro a Eanes, enigmático, Mário Soares dizia em círculos restritos ir apoiar o «candidato do partido».
Não se ouviam vozes discordantes. O avanço do nome de Jaime Gama como candidato a PR por Correia de Campos foi a primeira e leve agitação das águas. Nada que alterasse a cuidada preparação.
A ENTREVISTA AO “EXPRESSO”
Cuidadosamente preparada como parte de um cronograma, a entrevista de Alegre ao “Expresso” (9 de Janeiro) é a reafirmação da sua concepção da política como uma exibição de jogos malabares.
Tendo como principais objectivos obter o apoio do PS («gostava de ter o apoio do PS»), sem descurar os votos dos comunistas numa eventual 2ª volta («O PC (…) nunca favorecerá a direita. Nunca a esquerda perdeu umas presidenciais por causa do PCP»), Alegre procura apresentar-se como a negação do candidato da direita, Cavaco Silva, e o aglutinador das «esquerdas».
A entrevista é uma sucessão de equívocos e omissões. Recorrendo amiúde ao auto-elogio, não fala do importante papel que Soares lhe distribuiu no que Álvaro Cunhal definiu como «uma das mais estáveis e duradouras alianças politico-militares do processo contra-revolucionário», a Aliança Spínola-Mário Soares.
Mas Alegre foi, e disso nunca se penitenciou, um dos 3 representantes de Soares para os contactos com Spínola e os militares spinolistas, com o objectivo de «ficarem ao corrente do que pensava e se projectava no sector dos militares chamado spinolista» E nessa missão reuniu frequentemente com «o tenente-coronel Ferreira da Cunha, destacado operacional do 11 de Março, homem a quem cabiam essas relações com o PS».
E se outro representante do PS para os contactos com Spínola, Vitor Cunha Rego, diz que tentou «dissuadir [Spínola] de posições radicais… como o próprio 11 de Março» (o que prova o conhecimento antecipado do golpe), difícil é acreditar que Alegre ignorava a sua preparação, e muito menos nas suas declarações, apenas passado um ano, que o 11 de Março «para uns seria um golpe da extrema-direita. Para outros um golpe do KGB».
O poeta e romancista convivem em Alegre, mas não se confundem com o aventureiro político.
DISPONÍVEL PARA SE CANDIDATAR
A declaração de disponibilidade era uma decisão programada e estava claro que o seu anúncio estava em fase de maturação. Nada o fazia prever no jantar com «os amigos» de Portimão.
Na entrevista ao “Expresso” publicada 6 dias antes, ainda Alegre dizia que era «uma decisão pesada» que tinha de «ser muito ponderada, independentemente da vontade e da disponibilidade.» Os elogios de José Sócrates à entrevista e as referências a conversas com Alegre também não justificavam a antecipação, pois não foram diferentes dos proferidos há 5 anos quando Sócrates a meias com Soares o lançaram como lebre da candidatura do PS: foram formais e de circunstância.
O tempo da declaração só não terá surpreendido os que nessa semana tiveram conhecimento que uma pessoa (não o PS) tinha encomendado uma sondagem sobre a aceitação pública de outros nomes de PS como candidatos à Presidência da República, onde figuravam entre outros Gama e Vera Jardim.
De Soares, que não perde uma oportunidade para dizer que ainda tem uma palavra a dizer no PS, não conheço comentários públicos sobre o anúncio da candidatura do ex-amigo de trinta anos e seu representante junto de Spínola e dos spinolistas.
Só o Bloco de Esquerda apoiou a decisão de Alegre, com um entusiasmo que não teve nas anteriores candidaturas de militantes seus, apesar de Alegre na entrevista lhe ter feito uma pouco amável referência: «não sou refém de ninguém, e também o não sou do BE, que isso fique muito claro».
Compreende-se o entusiasmo, se tivermos presente as confessadas afinidades ideológicas.
Para além do passado escondido acima citado do ensaio de Álvaro Cunhal, «A Verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se)», também o passado e o presente públicos mostram Alegre como um apoiante fiel do essencial de todo o processo de fusão ideológica do PS com a direita. E foi em coerência com esse apoio que votou todas as revisões constitucionais parcialmente descaracterizadoras da Constituição, a Lei Barreto destruidora da Reforma Agrária, as privatizações e todos os Orçamentos de Estado apresentados pelos governos PS, responsáveis pela brutal diminuição da percentagem do rendimento das famílias (fundamentalmente trabalhadores) no Rendimento Nacional.
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São já alguns os comentadores que relacionam estas eleições com as de 1986, quando o PCP, num Congresso que alterou uma decisão anterior, apelou ao voto em Mário Soares, o que foi decisivo para a derrota de Freitas do Amaral. É a pensar nessa decisão que Alegre procura na entrevista ao “Expresso” aliciar o PCP e os eleitores comunistas.
Para quem tenha da política a noção de um jogo de intriga e de compadrios, a similitude entre as duas situações pode surgir como óbvia. À análise, sempre trabalhosa e exigente, preferem um pragmatismo mecanicista.
Então, Freitas do Amaral apresentou-se como o representante legítimo de uma direita revanchista que via na sua eleição a possibilidade de eliminar o PCP e exterminar os comunistas, o que não conseguiu com o 25 de Novembro de 1975.
Embora fosse conhecida muita da acção contra-revolucionária de Soares, Alegre e outros dirigentes do PS, só posteriormente através das suas confissões em declarações, depoimentos, entrevistas e livros, e das de alguns terroristas responsáveis na rede bombista se conheceu a dimensão e profundidade dessa ligação espúria; o PS ainda não concluíra o seu processo de fusão ideológica com a direita, nem se rendera incondicionalmente ao neoliberalismo, e a sua base social de apoio ainda tinha uma percentagem significativa de trabalhadores que não compreenderiam a recusa desse apoio.
A situação é hoje muito diferente.
Lisboa, 26 de Janeiro de 2010
Este texto foi publicado no Jornal do Fundão nº 3.311 de 28 de Janeiro de 2010

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